quarta-feira, 11 de julho de 2012

"As mil faces da Verdade"

Este é parte de um texto retirado do site observatório da imprensa, escrito por Carlos Brickmann...

Gostei muito da reflexão da conveniência do se mostrar e esconder segundo as conveniências políticas...
Vale a pena a leitura...



Nada mais justo: os parlamentares têm de prestar contas a seus eleitores e, portanto, seu voto deve ser aberto. Voto secreto é coisa de mau-caráter, de gente que gosta de prometer uma coisa e fazer outra. Tomemos como exemplo o caso do senador Demóstenes Torres: abertamente, ninguém votará em favor dele. Mas, com o voto secreto, a coisa é diferente. Como dizia Tancredo Neves, que sabia tudo de política, voto secreto dá uma vontade danada de trair.
Nada mais injusto: imaginemos um projeto que crie dificuldades a pessoas e empresas poderosas, que atuem dentro ou fora da lei. Um juiz pediu agora para ser afastado de processos referentes ao bicheiro Carlinhos Cachoeira por temer que, no futuro, daqui a alguns anos, possa sofrer um misterioso acidente de automóvel. Votar abertamente contra grandes interesses é sempre insalubre. A consequência será que nenhum projeto que crie dificuldades ao poder e aos poderosos será jamais aprovado. E quem votará contra o governo em casos importantes, afrontando de peito aberto o risco de sofrer represálias?
Quem não tem nada com isso dirá que cabe aos parlamentares ter a coragem de suas convicções. É verdade; cabe a todos os cidadãos ter a coragem de suas convicções. Esqueça-se, pois, o voto secreto nas eleições: que cada eleitor tenha a coragem de votar contra o candidato do patrão, botando o emprego em risco. Esqueça-se, também, o segredo dos confessionários: se o padre pode saber de seus pecados, por que escondê-los do restante da população? Ao pecar, cada um deve saber o que faz e medir as consequências. Entre elas, o repúdio dos amigos.
Nossos meios de comunicação – especialmente, neles, os comunicadores mais populares, tanto no rádio como na TV – veem o mundo em preto e branco, bom ou mau, ético ou não. Tudo muito bom, tudo muito bem, mas o mundo não é assim. Tudo que ocorre tem um motivo; e cabe ao legislador buscar o equilíbrio entre as vantagens e desvantagens de cada medida, sabendo que em certas ocasiões este equilíbrio será rompido e exigirá que haja mudança nas leis, sabendo que a verdade tem mil faces e que nem sempre a nossa verdade será a verdade (também legítima) de outros. E sabendo também que, quando se tenta regulamentar tudo, nada vai funcionar.
Agora, por exemplo, há grande escândalo em São Paulo porque se descobriu que há uma maneira de marcar presença no plenário da Câmara Municipal sem que o vereador tenha de aparecer por lá. Mesmo não indo ao plenário, mas usando o truque de registro de presença, Sua Excelência receberá o jeton, a quantia que lhe é paga por cumprir sua obrigação, ou seja, trabalhar. Briga-se, com grande participação na imprensa, para que os vereadores só possam marcar presença, e receber o jeton, se aparecerem mesmo no plenário durante as sessões. Mas:
1. O plenário é um dos lugares de trabalho do vereador; entretanto, não é o único. O vereador pode trabalhar, e muito, em seu gabinete, ou percorrendo a cidade (o que não quer dizer que sempre o faça, ou que a maioria o faça);
2. O parlamentar pode perfeitamente ir ao plenário todos os dias e assistir a toda a sessão, incluindo discursos, cânticos, onomatopeias, disfarces vários e participações especiais do senador Eduardo Suplicy, e mesmo assim ficar na maciota, sem trabalhar. Pode conversar com os colegas, falar no celular, fingir que trabalha com o computador portátil enquanto se diverte com games (basta tomar cuidado para que os fotógrafos não consigam a imagem da tela).
3. Um dos melhores parlamentares que o Congresso já teve, trabalhador, interessado, preocupado com a articulação política, um dos homens-chave para a transição da ditadura para a democracia, foi o deputado pernambucano Thales Ramalho. Depois de sofrer um acidente, Ramalho só se locomovia em cadeira de rodas, e não havia qualquer tipo de acesso ao plenário para deficientes físicos. Thales Ramalho ficou muitos anos sem ir ao plenário, sempre trabalhando, sempre a par de tudo o que acontecia. Quem realmente tinha importância saía do plenário e ia a seu gabinete, para discutir política com quem entendia do assunto.
A propósito, discutir pagamento extra para quem comparece ao trabalho é algo absolutamente cretino. Que haja um salário para os parlamentares, sem penduricalhos. E que os faltosos sejam apontados (pela imprensa, por que não?) para que os eleitores, com seu voto secreto, possam ter o prazer de demiti-los.
Uma velha piada sobre regras do futebol sugere que cada jogador receba uma bola para que não precise disputá-la com os outros 21. É uma ideia ótima, tão boa quanto abrir todos os votos ou torná-los todos secretos, ou determinar que trabalho é apenas o que ocorre no plenário. Só que o futebol deixaria de existir.

Nenhum comentário:

Postar um comentário